terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Utilitarismo em John Stuart Mill

Resumo

            O utilitarismo apresenta-se como uma doutrina filosófica que preconiza em primeiro lugar o prazer e procura eliminar todas as formas, tudo o que constitui dor. A corrente utilitarista foi desenvolvida e fundamentada pelo filósofo, ecónomo, político inglês John Stuart Mill.
            O Fundamento último do utiltarismo é o princípio da utilidade. Segundo esta concepção, uma acção é considerada correcta, logo válida, se ela promover maior felicidade dos implicados. A felicidade é entendida como o alcance do prazer e do bem-estar.
            Nesta corrente encontramos uma perspectiva eudamonista e hedonista, uma vez que tem em vista como objectivo final a felicidade que consiste no prazer. Para os utilitaristas o que importa são as consequências das acções, elas devem visar o prazer, e somente isso permite avaliar se uma acção é correcta ou não, logo é uma perspectiva consequencialista.
Palavras chaves: utilitarismo, felicidade, prazer, dor

1. Introdução

            No presente trabalho, pretendemos abordar a ética em John Stuart Mill e duma forma particular o utilitarismo na sua concepção. A nossa intenção é clarificar de onde vêm os fundamentos do utilitarismo em Mill e sobretudo como o utilitarismo é concebido e fundamentado neste autor. Pretendemos ainda verificar quais foram os impactos da visão utilitarista de Mill na sua época e mesmo posteriormente, mas com mais ênfase na actualidade.
            Refira-se que John Stuart Mill foi dos mais importantes filósofos e reformistas sociais do século XIX. Firmente empiricista e naturalista, desenvolveu o utilitarismo de Bentham (1748 - 1832)[1] e deu-lhe um rosto sofisticado. Para compreender melhor Mill, suas idéias e contribuições, é necessário que se conheça um pouco de sua vida e que se leve em conta a sua educação, o período em que viveu, suas amizades, as influências que recebeu e suas actividades.
            John Stuart Mill nasceu em Londres, no dia 20 de Maio de 1806, portanto, em plena fase de industrialização da Inglaterra, sendo o primeiro filho do filósofo escocês radicado na Inglaterra James Mill. Mill foi educado pelo Pai, com a assistência de Jeremy Benthan e Francis Place, sendo-lhe dada uma educação muito rigorosa e ele foi deliberamente escudado de rapazes da sua idade. O seu pai, um seguidor de Bentham e um aderente ao associativismo[2], tinha como objectivo explícito criar um génio intelectual que iria assegurar a causa do utilitarismo e a sua implementação após a morte dele e de Bentham. James Mill concordava com a visão de John Lock a respeito da mente humana como uma folha em branco para o registo das experiências e por isso prometeu estabelecer quais experiências preencheriam a mente do seu filho, empreendendo um rigoroso programa de aulas particulares.
            Aos três anos foi submetido ao estudo do grego, seguindo-se depois o latim, matemática e filosofia. Aos 11 anos ajudou ao pai na revisão da sua mais importante obra sobre a história da India e aos 13 anos deu início aos seus estudos de economia, lendo Adam Smith e David Ricardo. Aos 14 anos, na França, prosseguiu os seus estudos incluindo química, biologia, cálculos diferenciais e botânica. Ao voltar a Inglaterra, em 1821, começou a estudar direito e entra em contacto mais directo com as obras de Jeremy Bentham.
            Aos 18 anos, descreveu a si memo como uma “máquina lógica” e, aos 21, sofreu uma depressão profunda, levou muitos anos para recuperar a auto-estima.
            Em 1822 foi convidado a trabalhar na companhia das Indias Orientais. Em 1830 conheceu Harriet Hardy Taylor, defensora dos direitos da mulher, a quem se apaixonou quase imediatamente, uma vez que ela era casada, somente veio a casar-se 21 anos depois, quando ficou viúva. Mas o casamento somente veio a durar 7 anos por ocasião da morte da esposa. A influência de Harriet nas idéias e obras de Mill foi bastante acentuada.
            Desgostoso com o falecimennto da sua esposa e o fechamento da companhia das Indias Orientais, foi novamente para a França em 1830, onde voltou tempo depois desposto a concorrer uma cadeira no parlamento.
            Mill foi amigo pessoal de Ricardo, Bentham e Augusto Comte, todos eles vieram a influenciar de certa maneira o pensamento de Mill. De 1865 a 1868 ocupou uma cadeira no parlamento Inglês. Veio a falecer no dia 08 de Maio de 1873 no mesmo local do nascimento. Até este ano, o processo da industrialização da Inglaterra encontrava-se consolidado.
            As suas principais obras são: Sistema de Lógica (1843), Princípios da Economia Política (1848), Sobre a Liberdade (1859), Considerações acerca do Governo Representativo (1861) e A Subordinação das Mulheres (1869).

2. Visão geral sobre o utilitarismo


            De acordo com o dicionário de filosofia, o utilitarismo é uma tradição que remonta a Hobbes e que se inspira em Epicuro, é uma doutrina que coloca a utilidade como princípio de actividade do ponto de vista moral: “a moral utilitarista é a teoria racional que permite determinar as técnicas que asseguram o máximo de felicidade” (DUROZOI & ROuSSEl 2000: 300). Segundo Mondim, para os epicuristas “a felicidade é a vida pacífica, ausência de qualquer peocupação (ataraxia)” (MONDIM, 2006: 111). Ainda segundo Mondim, o utilitarismo toma como critério supremo da moralidade o útil, o interesse de cada um e tem como representante Thomas Hobbes, e o utilitarismo altruístico ou social que faz valer o interesse, a vantagem da colectividade e tem como expoentes máximos Bacon, Locke, Mill e Russel. Segundo o dicionário de filosofia, o utilitarismo de John Stuart Mill remonta da doutrina de Bentham a qual se reduz a um cálculo egoísta da maior quantidade possível de felicidade individual, o que conduz a visar o máximo da felicidade para o maior número de indíviduos, como afirma o próprio Bentham citado por Nacir: “por princípio da utilidade, entendemos o princípio segundo o qual toda a acção, qualquer que seja, deve ser aprovada ou rejeitada em função da tendência de aumentar ou reduzir o bem estar das partes afectadas” (BENTHAM, 1979:75.apud NACIR, 2010:18).
Para Henrique Dussel, Jeremy Bentham é quem inicia explicitamente a corrente utilitarista com a tese segundo a qual o valor fundamental é “a maior felicidade do maior número é a medida do bem ou do mal” (DUSSEL, 2000: 110). Para ele, a natureza colocou a humanidade sob o governo de dois senhores soberanos, a dor e o prazer. Somente a eles cabe dizer-nos o que deveriamos fazer e determinar o que faremos, “o prazer e a dor são as últimas instâncias de todos os nossos juízos e de todas as nossas determinações da vida” (DUSSEL, 2002: 110).
Segundo Bentham citado por Nacir, a felicidade é o bem último da acção e esta é alcançada quando maximizamos o prazer sobre a dor, “a felicidade consiste no prazer na ausência da dor” (NACIR, 2010,17). Partindo da premissa de que o prazer pode ser mais ou menos intenso e mais ou menos duradouro.
Para medir a diferença entre prazer e a dor, Bentham sugeriu um cálculo utilitário, que consiste em fazer um balanço do prazer e da dor, medidos em termos de intensidade, duração, certeza, proximidade e pureza para cada pessoa envolvida, “o prazer é algo que tem uma quantidade que se pode medir meramente em termos de duração e intensidade” (NACIR, 2010: 17). Em seguida somam-se os resultados de modo a obter o balanço final. No caso da balança final privilegiar o prazer a dor, a acção será moralmente correcta, caso contrário ela será uma acção má. Assim, “uma acção é boa quando proporciona maior prazer e menor dor, é uma acção má quando resulta em maior dor e menor prazer” (NACIR, 2010: 17).

3. Utilitarismo em John Stuart Mill


Segundo Mondim, à John Stuart Mil cabe o mérito de haver elaborado uma forma sofisticado de utilitarismo, no qual tenta coincidir o prazer individual com a utilidade da colectividade. Partindo da idéia fundamental de Bentham segundo a qual “o princípio da máxima felicidade, o fim último em razão da qual todas as outras coisas são desejáveis, é uma existência tanto quanto possível isenta de dores de mais rica possível de prazeres” (REALLE & ANTISERI, 2005: 309), Mill afirma que se deve levar em conta não somente a quantidade do prazer, mas também a qualidade , sem se esquecer, no entanto, que não deve haver contraste entre a maior feliciddae do indivíduo e a do conjunto uma vez que “é a própria vida social que nos educa, e radica em nós sentimentos desinteressados” (REALE & ANTISERI, 2005: 309). Assim, o utilitarismo altruísta de John Stuart Mill “considera mais a qualidade dos prazeres e conclui que o indivíduo, por interesse, deve finalmente querer o máximo da felicidade de todos” (DUROZOI & ROUSSEL, 2000: 380).
Segundo Mill, citado por Nacir, a doutrina utilitarista consiste nisto: “a felicidade é desejável, e a única coisa desejável enquanto finalidade; todas as outras coisas são desjáveis como meios para esse fim”. Entre a felicidade do agente e dos outros, o utilitarismo exige que o agente seja imparcial como um espectador desinteressado e benévolo” (MILL, 1961: 89. Apud NACIR, 2010: 23). Assim, o fim da acção humana constitui também o critério da moral, pois “sendo o fim último de todo o agir humano uma existência na medida do possível, livre da dor e repleta de alegria; amos os conceitos entendidos do ponto de vista tanto da quantidade como da qualidade, esse fim último do agir é necessariamente, ao mesmo tempo, critério da eticidade” (DILTHEY, 1994:45).
A prova da qualidade é a regra que serve para medir os prazeres, estabelecendo assim uma relação entre a sua quantidade e a preferência sentida. Mill, diferentimente de Bentham, afirma que se deve levar em conta não somente a quantidade do prazer, mas também a qualidade, uma vez que “é preferível ser Sócrates doente que um tolo satisfeito”. Para saber qual das suas dores é mais aguda ou qual dos dois prazeres é o mais intenso, “é preciso confiar no juízo geral de todos os que têm prática de duas e de outras” (REALE & ANTISERI, 2005: 309), acrescentado-se a auto-reflexão e auto-observação e adoptando os meios de comparação.
Enquanto o utilitarismo clássico adopta um princípio hedonista da felicidade, Mill, concordando com ele, introduz uma novidade ao afirmar que há prazeres superiores e inferiores, ou seja, há prazeres que têm mais valores que outros devido à natureza, “não obstante, deve-se admitir que os prazeres mentais são em sua maioria de maior permanência, segurança, menos custosos, etc., que os corporais... atendendo à sua natureza intrínseca” (DUSSEL, 2002, 111). Mill atribui maior importância aos prazeres do espírito: pensamento, sentimento e imaginação, pois resultam da experiência de apreciar a beleza, a verdade, o amor, etc., “qualquer destes prazeres terá mais valor e farás pessoas mais felizes do que a maior quantidade imaginável de prazeres inferiores” (AMADO, 2010: 42), prazeres inferiores seriam os ligados às necessidades físicas.
Na concepção utilitarista, útil aparece como critério da moralidade. Assim, a moraliddae das acções depende das suas consequências, se promovem ou não uma satisfação aos implicados, estando sempre em evidência a maioria, como afirma Dussel: “o utilitarismo é sumamente complexo e contém pelo menos quatro dimensões: um momento do prazer, um momento de utilidade ou critério de eficácia da acção como boa enquanto cumprimento de um meio para um fim, um momento de consequências e um efeito social” (DUSSEL, 2002: 111).
Um dos traços importantes do utilitarismo é o seu racionalismo. A moralidade de um acto é calculada, ela não é determinda a partir de um princípio diante de um valor intrínseco. Este cálculo leva em conta as consequências de um acto e avalia seu impacto sobre o bem estar do maior número de pessoas “para uma pessoa ser feliz, precisa desenvolver seus talentos, refinar seus gostos e cultivar vínculos sociais” (AMADO, 2010:45).

3.1. Contributo de Mill


Segundo Amado, Mill procurou combinar o utilitarismo com o socialismo e ressaltou o valor do altruísmo como forma de superação do egoísmo, ajudou a enfatizar a busca da felicidade, com base útil para a formação do homem social com um ideal de desenvolvimento democrata e social, como forma de reunir a maior liberdade individual de acção, com a propriedade comum igualitária para a distribuição equitativa dos benifícios do trabalho associado. Mill introduziu uma valorização qualitativa dos prazeres o que permite o estabelecimento de uma hierarquia que tem nos prazeres espirituais e bem colectivo sua realização. Os maiores bens são aqueles que servem à humanidade como um todo.



4. Crítica ao utilitarismo


Segundo Nacir, um dos mais proeminentes críticos do utilitarismo é John Rawls. Acusa-o de esquecer a justiça contentando-se com a máxima produção de bem-estar sem se importar com o seu modo de produção.
B. William e J. Griffin, acusaram o utilitarismo de ser uma teoria excessivamente ambiciosa, por exigir uma preocupação constante pelo bem-estar de toda a gente, esquecendo as lealdades, ou seja, o interesse exclusivo das pessoas mais próximas ou objectivos particulares. Assim, o utilitarismo devia aceitar a tortura de um prisioneiro como boa, se isto fosse para evitar um atentado de dimensões maiores. O valores do indivíduo torturado seriam completamente ignorados em favor da felicidade geral.
Um outro argumento crítico é acusação de que o utilitarismo deveria ser uma máquina de calcular. Há situações que exigem uma resposta rápida, onde não teriamos tempo para calcular se a nossa acção promoverá ou não maior felicidade geral. Em situações como estas o Utilitarismo não poderia nos orientar, a não ser que fôssemos uma máquina de calcular.
Para Dilthey, se se pretende manter o utilitarismo, teria que se abandonar o sistema da liberdade individual e ser substituido por um sistema de dirigismo do indivíduo até no íntimo de suas convicções, visto que a suposição fundamental do utilitarismo é a harmonia natural entre o bem estar pessoal e o comunal.

5. Conclusão

O utilitarismo de uma forma geral procura o máximo de felicidade individual e colectiva. A felicidade é entendida no sentido de maximizar o prazer e minimizar a dor. O prazer não é somente medido em termos de quantidade e prolongação, mas também em termos de qualidade. Estes constituem os pontos centrais da teoria utiltarista, especificamente de John Stuart Mill, o mais famoso dos filósofos utilitaristas que aperfeiçoam a teoria utilitarista mentorada por Jeremy Bentham.
Com o presente trabalho tomamos como consideração que o utilitarismo procura encontrar uma solução para um dos grandes problemas da existência humana, e que corresponde ao sentido da própria existência do homem: a felicidade.
O utilitarismo procura ajudar a sociedade a alcançar o patamar da felicidade desejada, sem sucumbir o indivíduo e sem incorrer em actos individualistas e egoistas. O útil proposto para o alcance da felicidade é encontrado pautando pelos caminhos da ética e da moral.













6. Bibliografia

AMADO, Madalena da Conceição, O utilitarismo em John Stuart Mill, Maputo, 2010, (Monografia apresentada à Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade São Tomás de Moçãmbique, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Licenciatura, na Especialidade de Gestão de Recursos Humanos e Ética).
DLTHEY, Wlhelm, Sistema da éica, Tradução de Edson Bini, São Paulo: Icone,1994.
DUROZOI, G. & ROUSSEL, A.  Dicionário de Filosofia. Porto: Porto Editora, 2000.
DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação: na idade da globalização e da exclusão. Petrópolis. Vozes, 2002.
MILL, John Stuart. Utitlitarismo; tradução de F. J. Azevedo Gonçalves. Lisboa: Gradiva, 2005.
MONDIM, Baptista. Introdução à Filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. São Paulo: Paulus, 2006.
NACIR, Alcino Manuel. A concepção do utilitarismo segundo John Stuart Mill. Maputo, 2010. (Monografia Científica apresentada à Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da universidade São Tomás Moçambique como requisito parcial para a obtenção do Grau de Licenciatura em Filosofia na especialidade de Recursos Humanos).
REALE, Giovanni & ANTISERI, DÁRIO. História da Filosofia: do romantismo ao empirismo. São Paulo: Paulus, 2005.
VAZQUEZ, Adolfo Sanchez. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.





[1] Filósofo Inlês que é considerado por muitos como o fundador do utilitarismo.
[2] Associativismo é uma doutrina segundo a qual as operações fundamentais do espírito decorrem de asociações frequentemente repetidas no decurso da experiência.

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